
TRANSAÇÃO PENAL: ANTECIPAÇÃO DA PENA?
- Publicado por Dra. Priscilla Guimarães
- sexta 18 agosto, 2023
1 - Introdução
Em se tratando da lide criminal nos Juizados Especiais, temos a figura principal - a proposta de transação penal - oferecida pelo Ministério Público e de aceitação opcional pelo autor do fato, sendo ela realizada perante um magistrado, nos crimes de menor potencial ofensivo e contravenções penais, visando pôr fim ao atrito entre as partes envolvidas no fato típico, e tornando-se uma forma consensual de arquivamento do processo. In verbis:
Art. 2º, da lei 10.259/2001 “Consideram-se infrações de menor potencial ofensivo, para os efeitos desta Lei, os crimes a que a lei comine pena máxima não superior a dois anos, ou multa”
A transação penal está consolidada no art. 76 da Lei 9099/95:
“Havendo representação ou tratando-se de crime de ação penal pública incondicionada, não sendo caso de arquivamento, o Ministério Público poderá propor a aplicação imediata de pena restritiva de direitos ou multa, a ser especificada na proposta.”
Entende-se, portanto, que na decisão do prosseguimento do feito pela vítima, nas ações penais privadas e nas condicionadas à representação, bem como as incondicionadas, movidas pelo próprio MP, sem a necessidade de manifestação de vontade e interesse da vítima, torna-se cabível a proposta de transação penal ao autor do fato.
A discussão que envolve a dinâmica do instituto de transação penal, é quanto a sua legalidade de aplicação, uma vez que é constitucionalmente garantido ao autor do fato o direito ao devido processo legal, consagrado na CF/88 em seu art. 5º, LIV e LV, ao estabelecer que ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal e ao garantir a qualquer acusado em processo judicial o contraditório e a ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes.
2 - Antecipação da pena?
No art. 76 da Lei 9.099/95 a redação usada pelo legislador é: “aplicação imediata de pena”, o mais correto seria ser utilizado: aplicação de medida penal alternativa. A intenção do nobre legislador era possibilitar ao juiz maiores instrumentos de sanção, uma vez que o mesmo tem o dever de apreciar a legalidade da medida, quanto ao preenchimento das condições da ação e aos requisitos legais para tal aplicação, tendo em vista que somente é possível aplicar uma pena no Brasil depois de instaurado o devido processo legal.
A transação penal, muitas vezes com fim pecuniário, não pode ser entendida como condenação, e sim como uma homologação de acordo entre o acusado e a Justiça Pública, tendo em vista que o suposto autor da ação não necessariamente considera-se culpado, mas muitas vezes aceita esta opção pecuniária ou restritiva de direitos, tendo como finalidade o arquivamento do processo, inexistindo assim sentença de mérito, não observando a culpabilidade ou não culpabilidade do suposto autor do fato ilícito.
Na transação penal o autor do fato aceita a proposta do Ministério Público - uma vez que é o único titular do jus puniendi estatal - para não ser processado, portanto não houve, até então, processo. Portanto, torna-se uma medida alternativa a ser cumprida para evitar um futuro processo realizada com a motivação da vítima, ou até mesmo pelo MP. O autor do fato não reconhece sua culpabilidade, movida por culpa ou dolo, ao aceitar a proposta feita pelo MP, apenas conforma com a antecipação de uma medida penal, para que não seja acusado criminalmente, bem como torna mais célere a atividade processual. De um lado o MP abre mão da Persecutio Criminis, e de outro o autor prefere se sujeitar a uma medida penal que, sendo cumprida corretamente, permitirá a extinção da punibilidade.
A medida penal feita pelo MP, não torna sua aceitação obrigatória, cabendo ao suposto acusado a aceitação da transação ou a continuidade do processo, que posteriormente será feita proposta de sursis, oitiva de testemunhas que tenham conhecimento do fato, bem como o(s) autor(es) e a(s) vítima(s), que não será relatado neste artigo. Ressalta-se que a transação penal não impede a vítima de ingressar com uma ação cível, para fins de indenização, danos morais e até mesmo composições cíveis, como nos casos de crime de dano (art.163/CP).
A proposta não tem natureza de punição, uma vez que é de aceitação voluntária pelo autor do fato para evitar um processo. Caso fosse entendido como antecipação de pena ou punição, somente seria cabível posteriormente ao devido processo legal, tendo sentença penal condenatória transitada em julgado. A própria lei n. 9099/95 estabelece que a aceitação, pelo autor da infração, da proposta do Parquet de imediata aplicação de uma medida restritiva de direitos ou multa não importará em reincidência, sendo registrada apenas para impedir novamente o mesmo benefício no prazo de 05 (cinco) anos (art. 76, par. 4º).
Na obra de Mirabete: “Não se viola o princípio do devido processo legal porque a própria constituição prevê o instituto, não obrigando a um processo formal, mas a um procedimento oral e sumaríssimo (art. 98, I, CF/88) para o Juizado Especial Criminal e, nos termos da lei, estão presentes as garantias constitucionais de assistência do advogado, de ampla defesa, consistente na obrigatoriedade do consenso e na possibilidade de não aceitação da transação. Trata-se da possibilidade de uma técnica de defesa concedida ao apontado como autor do fato.[1]
A sentença penal homologatória de transação penal é fruto de consenso, de acordo entre o Parquet e autor do fato, antes da propositura da ação penal (privada, condicionada ou incondicionada à representação), sem julgamento do fato que originou o TCO. Entende-se que a natureza da proposta não é de absolvição, nem mesmo condenação, apenas um acordo entre as partes do processo, tornando-se uma homologação entre a Justiça Pública e o autor da infração, não gerando reincidência e registro em antecedentes criminais, lembrando-se que este benefício é dado uma vez a cada 05 anos.
3 - Conclusão
A transação penal visa viabilizar a pacificação social, sendo esta impetrada pelo Ministério Público, diante uma ação penal instituída pela vítima, tendo como finalidade o acordo entre a vítima, Estado e o autor do fato, para tornar mais eficaz a resolução do atrito entre as partes envolvidas, como também ajudar na celeridade processual, sem a obrigatoriedade de discutir o mérito acostado nos autos, mediante homologação da proposta. O Instituto não apresenta qualquer vício de inconstitucionalidade, desde que examinado sob o prisma de um procedimento jurisdicional, tendo em vista que a proposta de transação penal é realizada em audiência preliminar, e somente nela será ratificada a representação pelo querelante ou ofendido contra o querelado ou acusado, tendo este último, total ampla defesa, uma vez que a aceitação torna-se voluntária, podendo o autor optar pelo prosseguimento do feito. A proposta de transação penal não fere o princípio constitucional do devido processo legal, uma vez que a mesma não apresenta absolvição ou condenação, apensa um acordo entre Justiça Pública e autor do fato, tornando-se uma medida alternativa instituída ao MP, sendo ela uma homologação.